A primeira metamorfose dá o tom de partida da história, em um cenário desconfortável, de perplexidade. O narrador, em terceira pessoa, descreve objetivamente as transformações perturbadoras vividas por Gregório Samsa, após um episódio que mudará completamente a configuração de seus laços afetivos. Misteriosamente, alguma força é capaz de “reduzir”, sem consideração, a um inseto sujeito a migalhas de alimento, quem antes era homem digno, trabalhador e honrado, que nada deixava faltar á mesa de casa. Uma mistura do que é surreal e absurdo com o que é fidedigno e realista, simboliza o enredo de Franz Kafka, escritor tcheco que se mostra fragilizado e contrastado com uma carga negativa e de experiências traumáticas em seu texto.
Da noite para
o dia e após um pesadelo, um homem assemelhava-se a uma criatura monstruosa,
gigantesca e asquerosa, sem chances de defesa ou entendimento sobre o ocorrido.
A obra pode sugerir que ocorria um momento de alucinação e, logo em seguida, um sentimento kafkiano de angústia e impotência
humana, diante de suas enfermidades. Nem mesmo o narrador-observador é capaz de
identificar o motivo de um trágico acontecimento que resulta em metamorfoses
subsequentes e dolorosas, até o fim da vida do personagem.
Ainda que haja
transfigurações na aparência física de Gregório, o leitor aguarda esperançosamente
uma aceitação familiar destas mudanças, como forma de consideração por todo o
esforço e carinho do filho para sustentá-los. Agora que enfrenta um momento difícil
de sua vida, necessita de apoio e compreensão, no entanto, somente recebe em
troca o desprezo, a ingratidão e a indiferença daqueles que amava. Nota-se então, desequilíbrio e polarização familiar como reflexos das mudanças na vida de Gregório.
Antes de uma metamorfose, as obrigações
financeiras para dar conforto ao lar eram tomadas por um único provedor e, se
outrora era membro da família, agora é considerado um intruso, um parasita, uma
criatura vergonhosa que não deve ser vista ou exposta na sala de jantar. O
leitor espera que pelo menos Grete, a irmã, seja capaz de aliviar o sentimento de
desconsideração quando se aproxima intimamente de seu irmão. Porém, é a pessoa
quem pensa, assim como seus pais, que Gregório havia se tornado um fardo, um
peso difícil de ser carregado.
“Tinha sido uma época
feliz, que nunca viria ser a ser igualada, embora mais tarde Gregório ganhasse
o suficiente para sustentar inteiramente a casa. Tinha-se, pura e simplesmente,
habituado ao acontecimento, tanto a família como ele próprio: ele dava o
dinheiro de boa vontade e eles aceitavam com gratidão, mas não havia qualquer
efusão de sentimentos.” (p. 16)
As mudanças
físicas sofridas pelo protagonista Gregor Samsa deram início a uma série de
comprometimentos no seio familiar. Os primeiros
parágrafos da obra sugerem, talvez, que o personagem está despertando de um
pesadelo ou então está vivendo momentos de alucinação, porém, a narrativa
descreve uma atmosfera aterrorizante e solitária para Gregório, diante de sua
incapacidade de se comportar como um de seus pares, de fazer parte do convívio social e compartilhar de seus pensamentos.
A leitura transmite a sensação de que existe uma muralha de ressentimentos e culpas, que separa um filho de suas referências e identidade. A metáfora existente no texto traz também a reflexão sobre a insegurança de pessoas que sofrem isoladas, como prisioneiras de uma doença ou do processo de envelhecimento, por exemplo, em um quarto escuro de solidão ou um cativeiro onde há desprezo ou indiferença dos familiares. Por outro lado, há de se levar em consideração a dinâmica doméstica que tende a ser modificada em função de um ente querido que necessita de cuidados.
Imagem: https://www.amazon.com.br/metamorfose-Franz-Kafka
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