Sendo leitora
, não podia deixar de registrar minhas reflexões (terceiro ensaio, durante a graduação em Letras-Inglês) sobre "Memórias Póstumas de Braz Cubas", de Machado de Assis:

As palavras de Mário Quintana fazem jus à obra de Machado de Assis, já que as lembranças de uma vida sem raízes do personagem-autor Brás Cubas sentenciavam um fim compatível com as escolhas equivocadas de sua jornada. O escritor, que foi duramente criticado porém reconhecido mundialmente por suas ideias contemporâneas, desenvolve neste romance um convite à nova era da criatividade. A morte evidencia o fruto daquilo que o ser humano plantou e colheu, para o bem ou para o mal, sem chance alguma de modificar a essência de seu espírito ou tornar positivo aquilo que o fez desprezível ao findar a vida.

Para dar início à narrativa, o autor sugere uma preferência pela morte ao invés do nascimento e estabelece uma interação informal com o leitor quando abandona o narrador onisciente. Em seguida, causa estranhamento e propõe, sem literalmente dizer, que o imagine escrevendo sua biografia diretamente de um túmulo ou ainda de um lugar inalcançável e distante, além da percepção humana, onde ninguém possa refutar ou questionar o livre arbítrio de seus pensamentos desagradáveis.

A composição da obra faz uma crítica ao contexto histórico e cultural da elite brasileira no século XVIII, em que inclusive o próprio narrador-personagem é o símbolo de uma hipocrisia social, de um sinônimo ideológico e de pensamentos influenciados pelas aparências e pela posição social ocupada por um indivíduo na sociedade. Brás Cubas relata, com objetividade e humor sarcástico, as recordações de sua família nobre, permissiva e descuidada o suficiente para não ensiná-lo a ter disciplina e compromisso com o futuro desde a infância, já que nada lhe faltava e não fosse necessário esforçar-se para alcançar o que desejava. Era um sujeito prepotente, de sentimentos rasos e que ensejava tornar-se o centro do universo, de todas as atenções.

Machado de Assis explora, com ironia, as facetas da mente humana como instrumentos favoráveis ao movimento da vida de Brás Cubas e Marcela, por exemplo, em favor de suas conveniências e oportunidades. Cubas não demonstra intimidação ou qualquer constrangimento para revelar o teor de seus relacionamentos amorosos frustrados, de suas ideias fixas mal-sucedidas e de seu comportamento desinteressado. Não teve uma educação exemplar e, desde a infância, ressalta uma despreocupação em seguir em frente com um planejamento de vida, uma instrução de qualidade. O leitor pode sentir-se aborrecido e contrariado diante de uma linha de pensamento atípico de um sujeito que tudo tem e age com indiferença, frieza e prepotência.

Mesmo após a morte, manteve a postura de sua figura egoísta em vida, sem arrependimentos como por exemplo quando afirma ter sido positivo chegar ao fim de sua caminhada sem filhos. Ou seja, nem a morte fez Brás Cubas repensar as suas escolhas e modificar a sua filosofia de vida em prol de sentimentos nobres como o amor, a empatia e a solidariedade.

“[...]Mas, na morte, que diferença! que desabafo! que liberdade! Como a gente pode sacudir fora a capa, deitar ao fosso as lentejoulas, despregar-se, despintar-se, desafeitar-se, confessar lisamente o que foi e o que deixou de ser! Porque em suma, já não há vizinhos, nem amigos, nem inimigos, nem conhecidos, nem estranhos, não há plateia.” (p. 36)

Vaidoso, decide colocar em prática suas ideias fixas, para alcançar a glória dos homens na Terra e suas “lamentações” eram como válvula de escape para justificar a necessidade mais profunda de ser lembrado como uma celebridade.

 O livro transfere ao leitor a responsabilidade de atentar-se não somente ao que é escrito mas também o contrário. Curtos capítulos, sem necessariamente respeitar uma sequência lógica dos fatos ou uma relação de causa e consequência podem, intencionalmente, desagradar e até incomodar.

 Imagem: https://www.amazon.com.br/Mem%C3%B3rias-P%C3%B3stumas-Br%C3%A1s-Cubas-Original-ebook/dp/B087WM9LF9

 

 


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