Sendo leitora do sertão nordestino e mergulhando de cabeça nas páginas cheias de humor e sabedoria em "O Auto da Compadecida", de Ariano Suassuna, vou compartilhar com vocês um pouquinho da minha humilde reflexão universitária sobre esta obra, que se resume num verdadeiro banquete literário, onde a astúcia de Chicó e a esperteza de João Grilo nos envolvem num enredo cheio de artimanhas e risadas (...numa mistura do que é sagrado e profano, sertão e cidade, com um toque caipira que só Suassuna sabe dar!).

https://www.amazon.com.br/Auto-compadecida-Ariano-Suassuna/dp/8520938396


O AUTO DA COMPADECIDA

A obra de Ariano Suassuna – O Auto da Compadecida, demonstra espontaneidade e autenticidade em relação ao modo como são tratados alguns assuntos, com a inteligência necessária para angariar algo. Os personagens, de maneira geral, têm habilidade de discorrer sobre as situações que lhes são apresentadas e, de maneira instintiva, conseguem desenvolver argumentos válidos, sob o ponto de vista individual, para atingir determinado objetivo. 

O personagem João Grilo, em especial, destaca-se pela sua astúcia, coragem, capacidade de manipulação e inconformidade com aquilo que imediatamente lhe for imposto e, posto isto, encara a realidade conforme o próprio juízo de valor, sem mensurar os riscos e as consequências de suas atitudes.

 A leitura da obra reverencia o diálogo acalorado entre os personagens, principalmente em situações em que pode-se observar a coerência do discurso direto e irônico, talvez para tornar as cenas mais próximas da realidade.

Em um dos momentos, João Grilo faz o uso de suas artimanhas para lograr a bênção do padre a um animal de estimação. O padre age incoerentemente com as suas crenças quando se vê diante de uma situação ameaçadora aos seus interesses pessoais. Grilo, então, apropria-se desta oportunidade para conseguir o que deseja, assumindo, inclusive, a responsabilidade de prejudicar o sacerdote:

 

É, mas quem vai ficar engraçado sou  eu, benzendo o

cachorro. Benzer motor é fácil, todo mundo faz isso,

mas benzer cachorro? – PADRE

 

É, Chicó, o   padre   tem   razão. Quem vai ficar engraçado

é ele e uma coisa é o motor do major Antônio Morais e outra

benzer o cachorro do major Antônio Morais. – JOÃO GRILO

 

Como? – PADRE

 

Eu disse que uma coisa era o motor e outra o cachorro do

major Antônio Morais. – JOÃO GRILO

 

E o dono do cachorro de quem vocês estão falando

é Antônio Morais? – PADRE

 

É. Eu não queria vir, com medo de que o senhor se

zangasse, mas  o  major  é  rico  e  poderoso  e  eu

trabalho na  mina  dele. Com medo  de  perder  meu

emprego fui forçado a obedecer, mas disse a Chicó:

o padre vai se zangar. – JOÃO GRILO

 

Zangar nada, João! Quem é um ministro de  Deus

para ter  direito  de  se  zangar?  Falei por falar, mas

também vocês  não  tinham  dito  de  quem  era  o

cachorro! – PADRE

 

Quer dizer que benze, não é? – JOÃO GRILO

.

Você o que é que acha? – PADRE

 

Eu não acho nada de mais. – CHICÓ

 

Nem eu. Não vejo mal  nenhum  em  abençoar  as

criaturas de Deus. – PADRE

(SUASSUNA, 1955, p. 3)

 

O leitor é entretido também com uma linguagem regional, que confere identidade, originalidade e personalidade ao enredo. A comunicação cômica e, ao mesmo tempo, repleta de jargões, trocadilhos e ditados populares, é capaz de conferir mais leveza à leitura, diante de uma realidade penosa, comum a muitos brasileiros que representam o contexto sociocultural do sertão nordestino – que vivem em um cenário de pobreza, desigualdade, fome, falta de infraestrutura e segurança. Neste sentido, Suassuna consegue agregar valor à narrativa quando faz a intermediação entre temas sensíveis à sociedade e uma linguagem acolhedora.


E aí? Quem aí também se amarrou nesta obra incrível?






Imagem: https://www.amazon.com.br/Auto-compadecida-Ariano-Suassuna/dp/8520938396

 

 

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