Sendo leitora do sertão nordestino e mergulhando de cabeça nas páginas cheias de humor e sabedoria em "O Auto da Compadecida", de Ariano Suassuna, vou compartilhar com vocês um pouquinho da minha humilde reflexão universitária sobre esta obra, que se resume num verdadeiro banquete literário, onde a astúcia de Chicó e a esperteza de João Grilo nos envolvem num enredo cheio de artimanhas e risadas (...numa mistura do que é sagrado e profano, sertão e cidade, com um toque caipira que só Suassuna sabe dar!).
O AUTO DA
COMPADECIDA
A obra de
Ariano Suassuna – O Auto da Compadecida, demonstra espontaneidade e
autenticidade em relação ao modo como são tratados alguns assuntos, com a
inteligência necessária para angariar algo. Os personagens, de maneira geral,
têm habilidade de discorrer sobre as situações que lhes são apresentadas e, de
maneira instintiva, conseguem desenvolver argumentos válidos, sob o ponto de
vista individual, para atingir determinado objetivo.
O personagem
João Grilo, em especial, destaca-se pela sua astúcia, coragem, capacidade de
manipulação e inconformidade com aquilo que imediatamente lhe for imposto e,
posto isto, encara a realidade conforme o próprio juízo de valor, sem mensurar
os riscos e as consequências de suas atitudes.
A leitura da obra reverencia o diálogo
acalorado entre os personagens, principalmente em situações em que pode-se
observar a coerência do discurso direto e irônico, talvez para tornar as cenas
mais próximas da realidade.
Em um dos
momentos, João Grilo faz o uso de suas artimanhas para lograr a bênção do padre
a um animal de estimação. O padre age incoerentemente com as suas crenças
quando se vê diante de uma situação ameaçadora aos seus interesses pessoais.
Grilo, então, apropria-se desta oportunidade para conseguir o que deseja,
assumindo, inclusive, a responsabilidade de prejudicar o sacerdote:
É, mas quem vai ficar engraçado sou
eu, benzendo o
cachorro. Benzer motor é fácil, todo mundo faz isso,
mas benzer cachorro? – PADRE
É, Chicó, o padre tem
razão. Quem vai ficar engraçado
é ele e uma coisa é o motor do major Antônio Morais e outra
benzer o cachorro do major Antônio Morais. – JOÃO GRILO
Como? – PADRE
Eu disse que uma coisa era o motor e outra o cachorro do
major Antônio Morais. – JOÃO GRILO
E o dono do cachorro de quem vocês estão falando
é Antônio Morais? – PADRE
É. Eu não queria vir, com medo de que o senhor se
zangasse, mas o major
é rico e
poderoso e eu
trabalho na mina dele. Com medo de
perder meu
emprego fui forçado a obedecer, mas disse a Chicó:
o padre vai se zangar. – JOÃO GRILO
Zangar nada, João! Quem é um ministro de
Deus
para ter direito de
se zangar? Falei por falar, mas
também vocês não tinham
dito de quem
era o
cachorro! – PADRE
Quer dizer que benze, não é? – JOÃO GRILO
.
Você o que é que acha? – PADRE
Eu não acho nada de mais. – CHICÓ
Nem eu. Não vejo mal nenhum em
abençoar as
criaturas de Deus. – PADRE
(SUASSUNA, 1955,
p. 3)
O leitor é entretido também com uma linguagem regional, que confere identidade, originalidade e personalidade ao enredo. A comunicação cômica e, ao mesmo tempo, repleta de jargões, trocadilhos e ditados populares, é capaz de conferir mais leveza à leitura, diante de uma realidade penosa, comum a muitos brasileiros que representam o contexto sociocultural do sertão nordestino – que vivem em um cenário de pobreza, desigualdade, fome, falta de infraestrutura e segurança. Neste sentido, Suassuna consegue agregar valor à narrativa quando faz a intermediação entre temas sensíveis à sociedade e uma linguagem acolhedora.
E aí? Quem aí também se amarrou nesta obra incrível?
Imagem: https://www.amazon.com.br/Auto-compadecida-Ariano-Suassuna/dp/8520938396
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